O jornalismo praticado pela imprensa brasileira, literário de nascença, evoluiu a partir dos anos 20 do século 20 para uma abordagem noticiosa, informativa e interpretativa, na esteira do conceito jornalístico norte-americano, com mais força ainda depois da Segunda Guerra Mundial). Muitos autores já trataram da influência que viaja na garupa do conteúdo editorial dos jornais.
A literatura em jornais, hoje, ficou subjugada não apenas ao mercado, mas também ao chamado conceito da atualidade. Ou seja, fala-se de literatura ou de um texto literário sempre a partir de um evento factual que justifique a sua inserção no jornal como notícia ou como complementação da notícia. É o chamado “gancho”, que “prende” a notícia à atualidade. Por essa razão é que a literatura costuma ser assunto por ocasião de efemérides, como a premiação ou morte de determinado autor; quando um livro de um autor importante é lançado ou quando se celebra seu aniversário de lançamento, ou quando ocorre aniversário de nascimento ou de morte de um autor famoso. Wilson Martins achava isso muito normal em 1952, ao dizer no seu livro “A crítica literária no Brasil” que “crítica de jornal é um ensaio imediato que se escreve quando saem os livros, fazendo um primeiro julgamento conscientemente precário e provisório. É um julgamento literário que abre campo para a fortuna crítica do livro e do autor.” Podemos concluir, então, que Wilson Martins também considera a crítica literária como um paratexto.
Está implícita na consideração de Wilson Martins a noção de fama, que leva à ampliação da abrangência, também pressuposto do fato jornalístico, como a atualidade. Não é de estranhar, pois, que a literatura produzida por gente desprovida de fama não seja, em geral, privilegiada em jornais, o que explica a ausência de autores novos ou de crítica literária acerca de autores novos. Não é de estranhar, também, que tenham falecido os suplementos literários.
A maioria dos livros publicados sobre a imprensa e as suas relações com o poder está focada na resistência da imprensa às tentativas de persuasão ou manipulação da massa de leitores por parte dos detentores do poder econômico e do poder político. O poder que se adivinha na leitura do material publicado em jornal (em papel ou plataforma eletrônica), no entanto, não se restringe às pressões dos mandatários políticos ou dos líderes econômicos sobre os leitores. Os próprios jornalistas, sejam repórteres, fotógrafos, diagramadores, editores ou diretores de redação, não estão isentos de exercer poder sobre a sociedade, ou dela sofrer manifestações de poder, em todos os níveis. Michel Foucault diz que não existe algo unitário e global chamado poder, mas formas díspares e heterogêneas de poder, em constante transformação.
Talvez os novos autores precisem tirar os livros do seu confinamento majestático em bienais e livrarias assépticas, e ultrapassar os limites das academias. Quem sabe, como Mário de Andrade e seus companheiros de 22, ir para a rua, organizados, criando fatos que teriam que ser noticiados, e assim aproveitando em benefício próprio os pressupostos sobre os quais a imprensa se baseia. Quem sabe, como o teatro já fez um dia com os trágicos, menestréis, mambembes e mamulengos, organizando lançamentos de livros e promovendo debates nas praças, nos parques, nas escolas, nos presídios, nos estádios, nos acampamentos dos sem-terra, nos logradouros dos sem-livro. Fazer com que os eventos se tornem notícia – e se a notícia existir, a imprensa será forçada a divulgá-la. Os editores são sensíveis aos temas que interessam à comunidade. Até porque é obrigação deles praticar essa sensibilidade, ou, em outras palavras, sucumbir a esse poder de pressão.
Jornais são como tambores – se um acontecimento repercute apenas timidamente entre os leitores, a notícia ressoa baixinho, em pequenos quadros de canto de página, em colunas disfarçadas entre informações diversas; mas se um evento reúne pessoas, ganha espaço e atenção, a notícia vira um bumbo que reboa mais alto, em manchetes largas e em largos espaços de páginas. É assim o tambor, e os autores precisam aprender a bater no seu couro com mais e mais força. (De preferência com a força da qualidade.)
Nesse vínculo orgânico com o poder, na história cartorial do Brasil, o jornalismo também tem alguma culpa no cartório, como reconhecem estudiosos da comunicação. Por exemplo Régis Debray, jornalista e escritor francês, que esteve com Che Guevara combatendo como guerrilheiro na Bolívia, e que mais tarde assumiu o papel de historiador pessoal do ex-presidente francês François Mitterand. Analisando a interferência dos políticos sobre os jornais (que chama de “classe político-midiática”), Régis Debray afirma que “a arte de governar é a arte de fazer crer”. Com isto mostra um certo desencanto ao inferir que as notícias não se limitam a refletir a realidade, mas que de maneira dialética a recriam, porque, ao mesmo tempo em que apresentam determinadas concepções da realidade, contribuem para modificar a percepção dessa realidade. Segundo ele, há um certo grau de convergência e de divergência entre fontes e jornalistas, o que interfere na autonomia dos jornalistas e na lógica da seleção de matérias.
Regis Debray é autor de uma frase que sintetiza a postura que impera nas redações ocidentais desde a década de 80:
“Antigamente, quando você chegava com uma novidade a um diretor de jornal, ele piscava os olhinhos, esfregava as mãos e dizia entusiasmado: ‘Ótimo, ótimo, vamos publicar já! Ninguém está falando nisso!’ Mas hoje, quando se chega a um diretor de jornal com uma novidade, ele faz um muxoxo de desprezo e diz: ‘Isso não vamos dar. Não interessa. Ninguém está falando nisso’.”
(Excertos do meu livro “Imprensa, poder e crítica”, São Paulo: Alexa, 2006)